sexta-feira, 3 de março de 2017

Santo Antonio e as Fitas

Santo Antonio e as Fitas
                            Para Paulo Mascena




Estavamos numa  rua da cidade. Esta cidade sempre tem uma bruma leve. Esta cidade sempre tem uma poesia contida nela. De seu pescoço, caiam filetes coloridos. Contas coloridas que você ia repassando levemente, como a buscar algum apoio... Pedi pra ficar ali e você depois de consultar uma de suas contas coloridas disse que eu podia me sentar e olhar as varandas daquela cidade. Imediatamente começou a falar de sua filha e de seu neto, que estavam além mar. Em Pequim, talvez!  Em Java, talvez!...  Fez-me ver o olhar triste de sua filha, a carregar no colo o filho pequeno numa proteção maternal. Disse que estava triste porque a cultura de “lá” não permitia que sua filha fosse aos festejos populares... Não pude dizer nada, porque você me ofereceu uma bala de mel e entendi que era em troca de algum silêncio. Nem sei como, começamos a falar de um projeto de teatro e você disse que queria fazer este projeto comigo (lembrei  no outro dia, que há alguns anos atrás estivemos envolvidos com a montagem de “A Tempestade” de Shakespeare, onde iríamos ousadamente apresentar no lago da praça). Falei então que meu projeto atual era sobre a vida de Santo Antonio (com certo receio de você achar desinteressante) e você então disse que queria muito.


As crianças corriam pelas ruas ladrilhadas da cidade. Era Alfama, talvez. O  dia da espiga. Antonio, ainda muito pequeno e ainda carregando o nome de Fernando, não conseguia alcançar os putos. Estava ele, febril. Em uma vara de marmelo, carregava uma flamula de tecido,  retalho de linho, que tremeluzia ao vento e ele imaginava ser o escudo de sua casa. Da casa de seu pai. Parou na escadaria da igreja pra olhar o rio, havia um brilho delirante nas  aguas do Tejo por onde deslizavam  barcas de destinos incertos.

·         *“Deixa as praças, vai-se as praias;
Deixa a terra, vai-se ao mar...”

 Alguns miúdos aproximaram das escadarias, estavam a dançar com suas fitas e cestos de ramalhetes de trigo, oliveiras e papoulas. Um deles sacudia no ar  os restos de uma bicha de rabear, que ia se desfazendo em poeira enegrecida.  Antonio, então começou a rodar  numa dança suave, como a escutar uma musica celestial e de seus ouvidos saiam fitas coloridas que subiam aos céus, deixando em seu rastro uma sombra colorida banhada pelo sol de maio.


Alguém que estava do nosso lado, que nenhum de nos havia reparado antes, perguntou o que eram essas fitas coloridas que saiam do ouvido de Santo Antonio. Eu respondi que eram anjos que haviam entrado no corpo dele pra lhe tirar uma doença. Você então disse que queria tomar sucos coloridos, para tentarmos recriar este efeito na peça. Te trouxeram os frascos. Você os tomou e numa transparência celestial, pude contemplar o Arco Iris que  te envolvia o corpo.

Te contei este sonho.  Você disse que foi lindo e que assim seria...
E assim será.

*Sermão aos Peixes