quarta-feira, 23 de maio de 2012

Sertão de amor

Bernardino -  
No sertão dos lamento, das tristeza e  das dor,
É o canto dos vaqueiro em sua montaria que ecoa na aridez...
A aridez das muié diante da seca,
Os camim sem fim.
As minina abre as janela e espia,
Espia pra além dos seus olhos...
O amô que nunca voltou
E espia a noite engolir o dia.


Bernardino de Bendengó -
Quando a pedra santa despencou do céu, sua luz cortou o breu da noite e alumiou todo sertão.
As criatura da noite arribaram cantano
Pros anjo que desceram cum ela
Os que fugiram,
Os que  acanharam,
Os que caíram de joelhos na terra seca...
Todos eles viram seu explendor!
Os homi das palavra escreveram seus verso, que até hoje estão incrustado,
Nas lapa e nos riacho.
Eu incantado com tanto mistério
Fui o premêro a chegar perto dela... Vi escrito em sua negrura as promessa de Nosso Senhor.
O homi Santo ta pra chegar e abençuar todo sertão...
Caminhei ao seu lado e escutei sua profecia que dizia: “Um dia
O sertão vai virar mar.”
Segurei sua bandêra e bebi de seu vim
Que deixou um travo de morte em minha língua.
Batalhei cum as sombra do meio dia e olhei nos zoio dos que sucumbiram
O reflexo da estrela de prata e do lenço vermeio do pescoço do justiceiro.

A donzela que curou minhas ferida,
só chegou na madrugada fria
e eu nem sabia que era herói,
Mas fui um rei na minha cama de paina,  naqueles dias.

Mas fui embora...
Já tinha me acostumado com as istrada do sertão, caminhar pelos estreito, com a lua refletida no riacho do gavião.
Fui na casa do cantadô e conheci a história da mulher que virou pássaro e os dois home que morreram por ela.

Do meu cavalo saltei numa nau de sonhos e naveguei no fio do véio Chico, conheci o mundo intêro inté o fim do dia.
Quando aportei na areia prateada, ouvi a música que chegava da casa dos vaquêro. Brinquei no boi reluzente enquanto as mulhé bordava o manto do divino.
E lá, meu senhor,  fui desafiado a trazer pro o sertão o Rei do Baião.
Que nacesse em nosso povo aquela alegria, numa noite de São João.
Pedi licença a Zé Danta... fui menino, fui anjo e como numa fantasia, fui abençoado desde intão
 

Apresentado no Espetáculo "Baião de Nois" na Celebração das Culturas do Sertão

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Poemas Dispersos

"Daqui a pouco acaba o dia.
 Não fiz nada.
 Também, que coisa é que faria?
 Fosse o que fosse, estava errada.
 Daqui a pouco a noite vem.
Chega em vão
 Para quem como eu só tem
 Para contar o coração.
 E após a noite a irmos dormir
Torna o dia.
Nada farei senão sentir.
 Também que coisa é que faria?"
 Fernando Pessoa, Poemas dispersos

Náufragos, salvo a arte.

Sentaram-se os dois. Havia um pouco de mormaço naquela manhã de abril. O ar pesava dentro do bar escuro. Uma luz de neon se repetia, meio frívola, anunciando o nome do bar, o N não ascendia direito e parecia apenas um garrancho iluminado. Os dois se olhavam nos olhos, como que hipnotizados por aquele momento. Ela não se continha de paixão. Ele não se continha de descontentamento. Ele chamou o garçom. A cerveja caiu alaranjada de neon no copo. Brindaram sem saber a quê exatamente. Ela regressou a sua solidão, havia demasiada ilusão em seus momentos e os lábios dele refletiam desdenho na borda do copo. Ele não achava que ela tinha o direito de sentir nada. Aquele corpo meio disforme, aos seus olhos, aquele sorriso, meio disforme, aos seus olhos... Ele era um artista. Amado por mulheres lindas e jovens e lindas e jovens... Ela não tinha o direito. Ela quase ouve seu pensamento. Sentiu um desdenho. Ele tão disforme, salvo a arte. Ele tão disforme em suas exigências, salvo a arte. Ele com os olhos meio tortos, incrustados numa pele enrugada e macilenta, o arco da sobrancelha de aspecto cômico, como um palhaço que chorava. A boca enviesada como um arlequim... Salvo a arte. Ela, coração ígneo, avistou da proa a terra... Os sonhos dissolveram no ar... Na língua um gosto de cerveja e pó, do que se desfez... O neon sucumbiu. Algum Sol rompeu o mormaço, o bar foi inundado de uma luz exigente. Ele opaco... Ela faminta. Havia de fato um mistério horizontal... Calaram-se num sorriso meio trôpego, enterrando numa vala no fundo do oceano, todo o descontentamento... Salvo a arte.